Powered By Blogger

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Caleidoscopia #02

Me apresso por escrever antes das doze badaladas da Matriz. Não quero terminar setembro sem ter postado nada no blog. Idéias não faltam, por enquanto, falta é tempo.

Correndo, portanto, contra um adversário invencível, vasculhei meus antigos textos do colegial e escolhi um para publicar. Trata-se de um texto pelo qual tenho enorme carinho. Foi feito às pressas em uma prova de redação sobre narrativa e uma das únicas vezes (se não me engano só fiz isso duas vezes) que tirei 10 em uma prova de redação.

Ah, só mais um detalhe o título original dessa crônica é "Aqueles que vão para nunca mais voltar". Como esse título é, em verdade, trecho de uma letra da Maria Rita eu resolvi substituí-lo, colocando o antigo título como epígrafe (eu adoro epígrafes!).




Palhaços não choram

"Todos os dias é um vai-e-vem
A vida se repete na estação
Tem gente que chega pra ficar
Tem gente que vai pra nunca mais
Tem gente que vem e quer voltar
Tem gente que vai e quer ficar
Tem gente que veio só olhar
Tem gente a sorrir e a chorar
E assim, chegar e partir"


(Encontros e Despedidas, Maria Rita)


para M. T.


Respeitável público; senhoras e senhores, acomodem-se. A história que lhes contarei aconteceu no interior do interior do Alagoas. Foi no município de São João da Rocha, há uns quatro anos. É capaz que todos os que estiveram lá, naquela noite fatídica, assim como eu, se recordem do final trágico da menina Maria.

O circo chegara na cidade há quatro dias. Quando chegamos - eu era o palhaço - desfilamos pela pequena cidade como em qualquer outra. Velhos, velhas, homens, mulheres, jovens e crianças corriam às janelas para nos ver passar. Era uma festa.

Ainda me lembro da menina Maria naquele dia. Devia ter dez ou doze anos, não mais que isso; começava a tomar formas e prometia ser uma linda moça quando crescesse. Porém, eu a achei triste, devia ter sido arrastada até a rua. O queixo estava pregado ao peito e os cabelos lhe caíam pela fronte como uma viseira. Usava um vestidinho azul clarinho com fita branquíssima na cintura. Nos pés, os sapatinhos refletiam o céu de tão lustrados que estavam. Formavam um belo par com as meinhas de renda.

O circo se apresentou lá durante cinco dias, fazíamos duas apresentações: uma de manhã e outra à noite. No último dia, à noite, Maria e sua família foram ao circo. Me emocionei.

Assim, como jamais me esquecerei da primeira impressão que tive dela, não me esquecerei do que vi aquela noite. Maria, com seus olhinhos azuis, riu de corpo e alma das minhas palhaçadas.

Cada espetáculo durava em média duas horas. esse não tinha sido nem mais longo, nem mais curto. E tivemos platéia lotada. Ao fim do espetáculo todos se foram. Ninguém percebera, mas Maria ficara, se perdera da família. Se encantara com o circo e ficara por lá. Os pôneis, os cachorrinhos e os gatinhos, tudo era encantador para a garota... Houve um incêndio aquela noite. Alguém colocara fogo na lona do circo. Maria estava lá, não pude fazer nada.

Na manhã seguinte encontramos apenas seus sapatinhos queimados. Eu os entreguei ao pai, me cortou o coração ver aquela família de luto. Fiquei em São João da Rocha até a missa de sétimo dia. Os outros do circo já tinham ido embora, cada um para um canto do mundo. Só ficara eu e os cinco gatinhos a vagar pelo sertão. Maria despertou algo em mim que não sei do que chamar; amor não era! Que Deus a tenha, o show, por aqui, tem que continuar.


Obs.: Originalmente Maria chamava-se Lindalva.