Nego-Ócio
"Ah, é o fim da picada
Depois da estrada começa uma grande avenida
No fim da avenida, existe uma chance, uma sorte, uma nova saída.
Qual é a moral? Qual vai ser o final dessa história?
Eu não tenho nada pra dizer, por isso digo
Eu não tenho muito o que perder, por isso jogo
Eu não tenho hora pra morrer, por isso sonho."
(Coisas da Vida, Rita Lee)
para E. G. R.
Peguei-me hoje a deliberar sobre coisa alguma. Em verdade não era sobre O Nada que eu deliberava, era sobre algo sem importância. Eram acerca do Ócio, os meus pensamentos digressivos.
De fato em um primeiro momento o Ócio pode parecer não ter importância. Vejamos. Caso você não negue-o você não terá uma remuneração. Ganha-se dinheiro nego-ociando, mas não “ociando”.
Filosofemos, então, um pouco. Se o Ócio não tem importância, dispensar uma parcela – bem grande, diga-se de passagem – do tempo de cada um para negá-lo, voltando a atenção para as formas de se negá-lo, não é atribuir importância a ele?
Ao deliberar sobre a ociosidade não ganhava nada com isso, filosofava apenas – e de forma muito barata. Platão, Aristóteles e Sócrates, contam os livros, também não enriqueceram. A importância da ociosidade, para mim, é mais de ordem filosófica do que econômica.
Às favas com isso! Não tenho pretensões de ser um Platão, um Aristóteles, ou um Sócrates; tampouco um Rockefeller, um Bill Gates, ou um Onassis da vida. Que eles se explodam, não eram felizes como eu sou. Talvez fossem mais, porém, a mim, basta minha felicidade.
Há cinco anos, quando estava no colegial e sonhava com um futuro diferente do que é este presente, tive uma aula de redação sui generis. Saímos todos os 27 – ou 30, não lembro – alunos da gélida e inexpressiva sala de aula, pintada dum azul-clarinho capaz de “despertar” nossa criatividade (segundo a Psicologia, descobri depois), para uma tarde ensolarada e empoeirada à sombra de uma frondosa árvore, lar de um mocho “minervaniano”.
Falou-se, naquele dia, sobre o Ócio. Tivemos quase uma aula prática. Quase uma elegia dos poetas latinos.
O gordo-professor (ou será professor-gordo?), de pé, rodeado por jovens massas encefálicas da geração Y sentadas aos seus pés, iludia sua platéia como se um ilusionista. Amargo foi o gosto que senti quando descobri como se tira o coelho branco da cartola.
Na nossa ociosidade, ele fez-nos acreditar no Amor. Esse Cupido seguidor de modismos modernos; tendencioso a ser Burro e Bêbado, causador da desgraça alheia, bem como da de Inês – de Castro –, Rainha depois de Morta.
Pensamos ser possível viver cada dia como se fosse o último. Era tudo ou nada; ou oito, ou 80; o vai, ou racha. Fui o Nada, o oito e acabei rachando – a cabeça, diga-se por ora.
Descobri depois que toda verdade é questionável porque relativa. O LOuQuInHo do Nietzsche disse isso: sabe-se somente uma parcela da verdade total. Verdadeira, sim, apesar de fração.
Nietzsche |
Naquele dia – ou seria naquele tempo? O dos 15 anos – não queríamos um dia de cada vez. Quisemos tudo lá, e naquele agora.
No passado entendia bem o Ócio. Aplicava quotidianamente a “Filosofia do Ocioso”. Cheguei a pensar que poderia passar o resto dos meus dias – que serão muitos – como poucos: de pernas para o ar.
Era (não SOU?) egocêntrico também. Gostava que o mundo girasse ao meu redor; hoje, se bebo, é para relembrar aquele tempo irresponsável. Bebo para ver o mundo rodando ao meu redor. Sou egocêntrico.
Sonhei com a transgressão da década 00 – a primeira do “Novo Milênio”. Ri da Juventude Transviada de James Dean e de sua ultrapassagem; mas veja, ela deixou-nos a T-shirt.
James Dean. |
Queria a Redenção pela Inércia.
Queria o escapismo do Apanhador no Campo de Centeio. A propósito, escrevi e escrevi e escrevi e me esqueci de dizer que naquele ano colegial, naquele dia, depois da aula, não fui para a casa. Quando o mocho voou eu desviei meu caminho. Fui sentar-me à margem dum lago, para ficar à margem do mundo. Achava que pensaria melhor assim.
Escrevi compulsivamente, num fluxo de consciência que era como a fila indiana de formigas que passava sob meus joelhos. Acho que se escreve por isso: para tentar entender a tortisse do mundo. Tentei entender a incoerência do Trópico.
Ao surgir da primeira estrela do firmamento fui-me embora, não para Pasárgada, porque lá não tenho amigos. A coerência pasargadiana me asfixia. Fui embora para minha rotina Tropical, acreditando que viveria eternamente mergulhado no Ócio, de pernas para cima. Decepsionei-me.
No início desse ano desfiz-me acidentalmente do primeiro texto. Fiz outro hoje, 26 de agosto de 2010, às 21h 47min 28s. Não o publiquei imediatamente porque a conexão com a Internet está falha no Laboratório. Perdi quatro aulas por tudo isso.
Diria o pupilo de Caeiro que valeu a pena (o tempo ocioso?). Concordo.